quinta-feira, 27 de maio de 2010

Poema da Indiferença

A indiferença faz-se de ver os outros,
Faz-se do tempo e da atenção dada ao alheio,
Faz-se da indiferença de o dizer a peito cheio…
Faz-se da carência de vertentes para onde olhar,
Faz-se da dor doida prestes a ajudar…
É saber em nós que necessitamos dos outros.

Viram-se costas desejosas apenas de chorar,
Mundos avessados desejosos de se levantar.
Vontade e coração numa luta tantas vezes desigual,
Onde o bem não é de ninguém
E o mal é fogo inato, animal…
Indiferença é vontade e coração eternamente a balançar.

Porque o homem é ser nascido da falsa indiferença
Quando Deus lá não está, mas vai nascendo em cada presença.
E nasce consigo, porém alheio à crença
Porque mesmo sem se crer, teme-se uma sentença.

E quando a indiferença não está onde se espera estar,
Há quem seja mais destemido e tome-lhe o lugar.
Faça da falsa cegueira um refugio para a falta de sentido,
E da falsa compaixão, um império destemido!

Indiferente é o gentílico da cada um,
Pois não existe quem não o seja,
Se esta é a suprema sentença que não escapa a nenhum.
Sejam felizes na negação da indiferença
Que ser-se humano nem sempre é recompensa,
E acentuo que Indiferente é o gentílico de cada um.


Renato Machado

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Aqui e Agora

Quis passar outro dia à rua onde cresci
E, rever-me nas memórias guardadas em cada peitoril,
Em cada soleira, em cada pedra da calçada
E lembrar cada passagem de Abril…
Quis entrar p’la porta e chamar a infância que eu vivi
E, rever-me em cada retrato que acolhi,
Em cada tela, cada peça por mim criada,
Marcando uma e mais uma passagem por Abril…
Não foi de saudade o nome que baptizei meu sentimento,
Foi ternura. Lembrar cada efémero do passado,
Eu era um miúdo tão amado!
Meu deus… porque o deixei levar na maré do esquecimento?
Não foi medo de ter medo de me recordar,
Nem sequer medo de ao passado regressar.
Não. Foi choro que se derrama por tamanha felicidade,
Foi uma mãe, os irmãos, a madrinha,
Foi o calor e o carinho em toda a face vizinha…
Foi todo o passado desejando ser essa a minha realidade,
Mas nada de saudade.
Nada de querer cambiar-me do hoje para o outrora,
Quando o que quero é apenas recordar tudo aquilo que já vivi,
O lar onde nasci…
Dentro de mim, aqui e agora.




Renato Machado

quinta-feira, 20 de maio de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

Desabafos entre insónias

Olha como eles cantam para ti…
Como eles pegam em ti…
Como eles se aninham em ti…
É de gosto vê-los em amor
Sem nada quererem em troca, sem licença nem favor,
Movidos apenas p’la devoção a ti…

Por cada passo dado atrás
Vai um mais custoso garantindo lugar no teu céu.
Porque custa, sim, sempre é mais aquilo que custa,
Mas à má hora o medo a ninguém assusta…
Teme-se que a força não seja capaz,
Teme-se tudo, menos o que está para lá do véu…
Porque no banquete da enfermidade ninguém se degusta.

Sê paciente
Tudo passa, tal corrente…
Um morto também sente
Mas imagina-te na pele da gente…


Renato Machado

domingo, 16 de maio de 2010

Só te peço...

Só te peço, não venhas tarde demais…
Quando eu já não ouvir o que tens para me dizer,
Quando eu já nem a tua palavra reconhecer,
Quando eu já estiver para te esquecer.
Só te peço, não venhas tarde demais…
Quando eu já estiver a dormir em cima da tua saudade,
Quando eu já não tiver noção da realidade,
Quando para mim já não fores a derradeira verdade…
Só te peço, não venhas tarde demais…
Só te peço, vem agora!
Vem dizer-me tudo o que está certo nesta hora,
Vem dizer-me que o que sinto não se irá embora.
Para quê tanta demora?
Só te peço, não venhas tarde demais…


Renato Machado

sábado, 15 de maio de 2010

Para fugir da rotina da poesia II

Cada qual tem o seu lugar

- Um bilhete para um sítio qualquer… – disse ela com os pensamentos perdidos. Sabia onde estava, mas não sabia onde queria estar, muito menos sabia se esse seria o lugar ideal que tanto sonhara, apenas uma certeza lhe prevalecia “eu não quero estar mais aqui”.
Saiu da fila e vagueou por entre os bancos apinhados de gente. Gostava de observar os outros, sempre assim foi, estava-lhe entranhado na pele, no sangue mas, não se punia por isso aliás, tinha essa característica como uma mais valia na sua vida, fazia-se crer que observar os outros era uma escola, um guia prático de como se deve actuar em qualquer situação. Porém continuava a existir o vazio…o vazio de saber que lhe falta aprender uma lição, e saber qual a lição em falta, ainda pior. Ela precisava urgentemente de se encontrar, ali não estava então, “vamos partir para outro lugar”.
Apressada, com vontade de pousar finalmente no seu enquadramento, entrou, atropelando várias pessoas, na carruagem da frente. Escolheu um lugar perto da janela, onde pudesse ver o nome de cada estação ou apeadeiro, onde pudesse observar a paisagem, respirar o vento que lhe entraria de rompante e bateria na cara, despenteando-lhe o cabelo, e respirar cada centímetro de terra percorrida. Tudo isto fazia parte da sua busca. O comboio iniciou viagem e ela não descolou um segundo do seu lugar. Entre olhares curiosos que deitava aos seus companheiros de viajem para tentar perceber onde iam e o que faziam, e o mundo que passava velozmente pela janela, tentava perceber onde iria desembarcar.
Passou a primeira estação… a segunda… a décima… a vigésima segunda… “não, não é aqui. Mais um pouco, estou quase lá”, pensava ela a cada paragem do comboio. Olhava lá para fora e cada rosto, cada pedra, cada árvore, nada lhe diziam. Mas não a julguem por frustrada, não… era apenas alguém que queria sempre mais. - E que mal tem querer mais que aquilo que a vida me dá? – Dizia ela tantas vezes a si e aos que tantas vezes lhe abordavam com a questão da procura.
Finalmente a viagem terminara por não haver mais linha-férrea para percorrer. Contrariada, teve de sair do lugar onde se encontrava confortavelmente instalada e enfrentar um novo lugar, uma nova gente, uma nova maneira de estar. Pegou na mochila, botou às costas, saiu vagarosamente da carruagem de modo a aproveitar cada segundo deste nova experiencia. Deixou para trás a confusão do terminal e fez-se às ruas apinhadas de betão e de gente. “Ainda não me encontrei”, pensava ela em cada imagem nova que ia retendo na sua mente… ao passar a estrada encontrou o seu lugar e deitada no chão com dezenas de desconhecidos à sua volta gritando, chorando, pensou “ está quase miúda, falta pouco para chegares lá…” fechou os olhos…




Renato Machado

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Visita do Amigo Bento XVI

Não senhor!
Gostava eu de poder correr no limbo,
Gostava eu de escarrar palavras entaladas!
Não senhor! Der por onde der, seja lá quem o for…
Seja gente, seja mulher…
Pedaço de pecado caído de onde o esquecer,
As memórias não serão apagadas,
E eu tenho por mim amor!

Vão passear meus amigos
Que aqui não se chora mais e se deixa fiado.
Vão para o diabo que vos carregue
Tanta maldade junta, só ele mesmo a consegue,
Aguentar de rosto animado!

Não se mendiguem com pragas do Restelo,
Não façam o bélico parecer belo,
Não me façam a mim desfiar-vos o novelo…

Dó… lamento sentir por vós pena
Mas é o que sinto e tem que o ser.
Esvaiu-se-me a paciência de crer em passarolas voadoras
A esperança de um dia girar os 180 graus e mudar-vos de cena…
Todas as cabeças são e serão sonhadoras,
Mas a vida tem um caminho e, é para a frente que assim deve ser.


Renato Machado

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Adeus Amigo

(Em linha recta para o calor
Duas torres brincam a meio do rio).
Vai tu, eu cá não arrisco…
Não sou de medos nem heroísmos,
Muito mesmo de cinismos.
Prata e ouro, para mim são isco!
Vai sozinho por favor,
Sou sombrio, tenho frio
Vai sozinho, leva lá quem comigo não for.

Que dissera a hora quando eu não apareci?
Tomava leite tão rasca como o triste vinho…
Que disse a água quando eu não a bebi?
Eu já estava longe no outro lado do ninho.
Não obrigado, sorte tua por seres tenaz,
Eu cá me conheço,
Não me mereço
Não tenho vontade para tal feito ser capaz.

A barca vai na hora atravessar a corrente,
Não te deixes atrasar para o nascer do dia…






Renato Machado

quarta-feira, 5 de maio de 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Meu Vicio de Fernando Pessoa

Pedra de cal…
Poeta concebido de areia e sal,
Santa macumba, benzida de todo o mal,
Coração batendo desventurado
Pensamento longe… sobrevoado,
Essência nata do seu original.

Poeta que voa na incerteza do feito…
Poeta cantor de melodias tristes, da dor no peito.
Sol de lua que não se condiz
Palavra nua que a rua tem como sua aprendiz…
Poeta amado assim do seu jeito.

Essência sem norte,
Pescador ingrato de ideias e de sorte,
Velha carcaça amedrontada p’lo esquecimento da morte…
Poeta sem medo de ter medo
Ou medo de até assim não se sentir!
Poeta do segredo
Na ânsia, a ganância de assumir
Que o seu ego é mais forte!

Palavras ingratas
Ideais interiorizadas, inatas
Poeta em razão de ser nascido,
Poeta em razão de perecer, em si sucumbido…

Poeta das horas passageiras,
Cardume de vida fervilhando na alma!
Palavras doces que o pensamento acalma,
Ai poeta…poeta de tantas cegueiras…



Renato Machado

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Redescobrir o Sol

Faz espuma…
Coração triste no final do dia.
Brinca na bruma,
Vem perfumando o ar com caruma
Esta inquietude teimosa, quer ser apenas mais uma,
Uma lavando o chão onde se erguia…
Solta um beijo perdido
Felicita a ânsia de estar para lá do futuro!
Ri! Ri alto!
Voa para lá do asfalto…
Cola todas as penas encontradas no caminho ardido,
Ah… como é belo o outro lado do muro!

Está entre as estrelas intocáveis
Que Ícaro outrora almejara abraçar.
Sim, destino é destino, há que o cumprir!
Enverga-te nas tuas asas, hás-de conseguir…
Planar e sentir…
Os ventos imemoráveis,
As paisagens inimagináveis,
Que do alto do sucesso se consegue avistar.
Sê a força de poder arriscar o coração
Apostá-lo na roleta russa da espontaneidade,
Ganhando fortunas de emoção,
Rios de paixão,
Sê tu mesmo, sê a irreverência,
A simplicidade
Vai onde não te leva o caminho batido oposto à razão.



Renato Machado