sábado, 15 de maio de 2010

Para fugir da rotina da poesia II

Cada qual tem o seu lugar

- Um bilhete para um sítio qualquer… – disse ela com os pensamentos perdidos. Sabia onde estava, mas não sabia onde queria estar, muito menos sabia se esse seria o lugar ideal que tanto sonhara, apenas uma certeza lhe prevalecia “eu não quero estar mais aqui”.
Saiu da fila e vagueou por entre os bancos apinhados de gente. Gostava de observar os outros, sempre assim foi, estava-lhe entranhado na pele, no sangue mas, não se punia por isso aliás, tinha essa característica como uma mais valia na sua vida, fazia-se crer que observar os outros era uma escola, um guia prático de como se deve actuar em qualquer situação. Porém continuava a existir o vazio…o vazio de saber que lhe falta aprender uma lição, e saber qual a lição em falta, ainda pior. Ela precisava urgentemente de se encontrar, ali não estava então, “vamos partir para outro lugar”.
Apressada, com vontade de pousar finalmente no seu enquadramento, entrou, atropelando várias pessoas, na carruagem da frente. Escolheu um lugar perto da janela, onde pudesse ver o nome de cada estação ou apeadeiro, onde pudesse observar a paisagem, respirar o vento que lhe entraria de rompante e bateria na cara, despenteando-lhe o cabelo, e respirar cada centímetro de terra percorrida. Tudo isto fazia parte da sua busca. O comboio iniciou viagem e ela não descolou um segundo do seu lugar. Entre olhares curiosos que deitava aos seus companheiros de viajem para tentar perceber onde iam e o que faziam, e o mundo que passava velozmente pela janela, tentava perceber onde iria desembarcar.
Passou a primeira estação… a segunda… a décima… a vigésima segunda… “não, não é aqui. Mais um pouco, estou quase lá”, pensava ela a cada paragem do comboio. Olhava lá para fora e cada rosto, cada pedra, cada árvore, nada lhe diziam. Mas não a julguem por frustrada, não… era apenas alguém que queria sempre mais. - E que mal tem querer mais que aquilo que a vida me dá? – Dizia ela tantas vezes a si e aos que tantas vezes lhe abordavam com a questão da procura.
Finalmente a viagem terminara por não haver mais linha-férrea para percorrer. Contrariada, teve de sair do lugar onde se encontrava confortavelmente instalada e enfrentar um novo lugar, uma nova gente, uma nova maneira de estar. Pegou na mochila, botou às costas, saiu vagarosamente da carruagem de modo a aproveitar cada segundo deste nova experiencia. Deixou para trás a confusão do terminal e fez-se às ruas apinhadas de betão e de gente. “Ainda não me encontrei”, pensava ela em cada imagem nova que ia retendo na sua mente… ao passar a estrada encontrou o seu lugar e deitada no chão com dezenas de desconhecidos à sua volta gritando, chorando, pensou “ está quase miúda, falta pouco para chegares lá…” fechou os olhos…




Renato Machado

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